Depressão: talvez você precise ler este texto

A depressão apareceu na minha vida, antes que eu tivesse consciência de quem ela era. Ainda na infância e adolescência eu cruzei com ela, várias vezes e não me dei conta. Quando vi minha irmã perder peso escandalosamente rápido, eu não sabia que era a depressão. Quando vi meu pai, diferente de toda a sua vida, acordar mais tarde e passar horas a fio num bar, eu não sabia que era a depressão. Quando uma amiga me contava que sua mãe estava mal, mas não dizia bem o porquê, eu não sabia que era a depressão.

Mais tarde, quando entrei para a faculdade de Psicologia, tudo começou a fazer mais sentido. Meus olhos começaram a se abrir. E então, eu pude entender, quando chegou a minha vez. Aconteceu no fim da graduação e início da minha vida profissional. O último ano de faculdade tinha sido intenso e turbulento. Além de me sentir esgotada, eu sofri muito pelo luto de um relacionamento. Meses depois, me vi formada, sem trabalho e com contas a pagar. Desta vez, eu sabia o seu nome. Sabia como ela se achegava. Eu deprimi. Na época, felizmente, eu sabia o que fazer. Mesmo sem recursos financeiros para buscar psicoterapia, tentei me colocar para funcionar o máximo que pude, antes que meu quadro se agravasse.

Deu certo. Consegui sair daquele túnel escuro que tanto me assustou.

Anos se passaram e, através da minha profissão, eu encontrei dezenas de pessoas que chegaram até mim, porque não estavam bem. Se sentiam roubadas de si mesmas, mas não sabiam que essas sensações tinham um nome. Felizmente, depois de anos, após ver o adoecimento de tantas pessoas que amo (inclusive eu mesma), sei como lutar esta batalha. Hoje, consigo, de alguma forma, ajudar a todos que me buscam. Mas dói o meu coração saber que muitos, assim como eu, já cruzaram com a depressão e sequer sabiam do seu nome e de seu poder devastador.

Como identificar um transtorno depressivo?

Durante a minha jornada pessoal e profissional, já encontrei muitos quadros de “depressões diferentes”. Isso porque os quadros depressivos são diversos e se apresentam de formas distintas. No geral, é importante considerar que qualquer tipo de depressão altera significativamente o modo de se comportar de um indivíduo. Ou seja, é esperado uma “baixa comportamental”: deixar de fazer atividades prazeirosas; evitar contato social; fazer o básico do dia a dia e, muitas vezes, nem isso; sentir recorrentemente tristeza e pensamentos negativos; negligenciar autocuidado; alterações no sono e na alimentação; etc.

Como citei, não existe apenas um tipo de depressão. Por isso, é muito importante encontrar um profissional capacitado para fazer o diagnóstico. Sobretudo porque o tratamento pode ser muito diferente. Separei, didaticamente, alguns grupos mais comuns deste transtorno, para te ajudar a entender melhor.

Existe aquela depressão que todos nós podemos encontrar pelo caminho: aquela circunstancial, que se apresenta diante de momentos difíceis que atravessamos. Após um divórcio, um luto pela perda de alguém muito importante ou diante de algum outro trauma, por exemplo. Esta depressão “circunstancial” pode se apresentar através de sintomas leves, moderados ou graves.

Existe também, os quadros depressivos mais crônicos. Ou seja, pessoas que relatam um humor predominantemente deprimido desde a infância, adolescência. Podendo, com os acontecidos da vida, passar por crises mais intensas. Ou seja, os sintomas se apresentarem de forma mais grave e limitante. 

Temos, ainda, a depressão bipolar, que está presente dentro do Transtorno Bipolar. Os períodos depressivos contrastam com os períodos de euforia (mania e hipomania). Para muitos, são períodos muito difíceis, sobretudo porque sucedem ciclos de intensa atividade comportamental. 

Devo acrescentar que os transtornos depressivos quase nunca andam só. No geral, transtornos de ansiedade são comorbidades muito recorrentes. Ou seja, sintomas intensos de ansiedade acompanham a maioria dos pacientes com depressão, o que torna o tratamento ainda mais desafiador.

O tratamento para depressão:

Uma vez que os quadros depressivos são distintos, é de se esperar o mesmo em relação ao tratamento. A nível farmacológico, as prescrições podem ser diversas, dentre as classes de antidepressivos e, também, estabilizadores de humor. Por isso, ratifico a importância de um acompanhamento médico especializado (no geral, com Psiquiatras). 

A nível comportamental, é altamente recomendado que os pacientes deprimidos vivenciem o processo de Psicoterapia. É na terapia que o paciente poderá compreender melhor os seus padrões de comportamento e, também, traçar estratégias de melhora, focando na ativação comportamental, desenvolvimento de habilidades sociais e regulação emocional. Considero que a terapia é, também, um “trampolim” para o desenvolvimento de hábitos saudáveis de estilo de vida, essenciais para o tratamento da depressão.

A nível fisiológico, devo lembrar do quão importante é a alimentação e a prática de  exercícios físicos para o tratamento da depressão (na verdade, de qualquer transtorno mental). Escrevi um post falando mais detalhadamente sobre isso, você pode ler aqui. A verdade é que, apesar da medicação ser muito importante, infelizmente, muitos pacientes esquecem que o corpo humano é uma máquina que precisa de estímulos adequados para funcionar. Boas práticas de estilo de vida reduzem os sintomas depressivos e previnem, inclusive, crises futuras.

Importante considerar…

Os transtornos mentais são diagnosticados através da entrevista clínica. Não existem exames laboratoriais que “provem” a depressão, por exemplo. No geral, os diagnósticos acontecem por meio de uma conversa entre médico/psicologo e paciente, avaliando histórico, características dos sintomas, prejuízos funcionais etc. No entanto, embora não existam exames que mensurem a depressão, precisamos considerar o fato de que alterações bioquímicas, de diversas ordens, podem causar sintomas clínicos semelhantes a depressão.

Te dou alguns exemplos, para facilitar.

Pacientes com alterações laboratoriais como ferro deficitário, vitaminas do complexo B deficitárias, vitamina D deficitária, podem apresentar sintomas muito similares com a depressão. Pacientes com alterações significativas nos hormônios da tireóide, podem apresentar sintomas similares a depressão. Mulheres no climatério ou menopausa, por conta das oscilações hormonais, podem apresentar sintomas similares a depressão.

Por isso, vale salientar: um bom exame clínico é imprescindível, para eliminar dúvidas e fazer um bom diagnóstico diferencial. É importante considerar que, hoje,  com o estilo de vida moderno, a maioria de nós vivemos com déficits nutricionais importantes. Mas, infelizmente, estes dados são negligenciados pelo nosso sistema de saúde.

Eu defendo a ideia de que nós precisamos ser “líderes” da nossa saúde. Escrevi um outro texto falando sobre tudo isso e, compartilhando, um pouco da minha jornada de autoconhecimento a nível fisiológico. Basta clicar aqui, para se aprofundar neste tema. Em soma, recomendo a todos meus pacientes, amigos e familiares que sejam ativos no cuidado com a saúde. Antes de assumir diagnósticos e medicações, investigue!

Sim, a depressão existe e ela é perigosa, sorrateira. Muitas vezes, está ao nosso lado e sequer temos consciência. Observe-se. Observe quem está ao seu redor, as pessoas que você ama. Por falta de informações, muitas pessoas vivem em extremo sofrimento. Atualmente, temos muitas ferramentas disponíveis para conduzir bons tratamentos, negar esta realidade, é escolher um caminho muito desconfortável.

A depressão pode estar em sua casa. Ao seu lado. Pode trabalhar contigo. Pode estar, inclusive, em seu amigo. A depressão é sorrateira. Se camufla. Passa desapercebida.

Ela rouba as pessoas que amamos.

Nos sequestra de nós mesmos. 

Abraço carinhoso,

Mari

Ps.: coloco-me à disposição para te ajudar nesta jornada. Para conversarmos, basta me enviar uma mensagem, clicando aqui.

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