Entendendo o TDAH de forma responsável: para além de uma lista de sintomas

Quando comecei a clinicar, eu não imaginava que o TDAH seria um dos transtornos mais comuns na minha prática clínica. Todas as vezes que ouvia falar sobre Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, o assunto estava relacionado às crianças que apresentavam comportamentos-problema em sala de aula. Acontece que muitos adultos sofrem com as consequências do TDAH. Sobretudo aqueles que não sabem da existência do transtorno e que nunca trataram adequadamente.

O TDAH vai além do que o nome propõe. Falar sobre déficit de atenção e hiperatividade é reduzir os impactos que este transtorno acarreta na vida de uma pessoa. Ter TDAH significa ter dificuldades significativas de performance e gestão – dificuldades que vão além da atenção e da agitação psicomotora.

Transtorno do neurodesenvolvimento é uma boa classificação para esse transtorno, uma vez que ele tem características importantes de atraso na maturação do lobo frontal (região que controla nossos impulsos). De modo que, as crianças (e também adultos) com TDAH são, comumente chamadas de imaturas e impulsivas.

Crescer com TDAH significa, resumidamente, ter que lidar com dificuldades significativas nas funções executivas: memória, atenção, planejamento, organização, execução, manutenção e autogerenciamento. Sem contar o desafio em lidar com a impulsividade que, para alguns, é um desafio imenso.

Dificuldades em definir objetivos na vida, dificuldades de iniciar e concluir tarefas (das mais simples às mais complexas), dificuldades de planejar e executar planos com qualidade. Oscilações constantes de motivação e, também, de humor. Impulsividade, uso e abuso de álcool e drogas. Dificuldade de manter relacionamentos, dificuldade de se gerenciar. Decisões impulsivas. Baixa concentração. Frustração constante e baixa autoestima.

Estes são alguns dos sintomas mais comuns, para as pessoas com TDAH. Mas, este não é um post para te incentivar a se diagnosticar. Pelo contrário, escrevo este texto com o objetivo de te informar: TDAH tem tratamento e, atualmente, ótimos resultados, tanto em termos farmacológicos, como comportamentais.

Pessoas com TDAH na terapia

Com alguns anos de prática clínica, percebi um efeito bastante comum: muitos adultos buscam suporte psicológico quando estão se sentindo deprimidos, ansiosos e bastante desesperançosos com a vida. Boa parte destes adultos, com o avançar do tratamento descobrem que viveram décadas com um transtorno não diagnosticado.

Sim, é isso mesmo que você está entendendo. Muitos adultos que cresceram com TDAH, sem saber, acabam buscando a Psicoterapia quando estão deprimidos. A maioria sente um grande sentimento de fracasso e tristeza por não terem conseguido realizar o que desejavam ao longo da vida.

Isso não quer dizer que todas as pessoas com sintomas depressivos/ansiosos tenham TDAH.  Conseguimos fazer este diagnóstico – bastante complexo, inclusive – com muito cuidado e dentro de um processo terapêutico bem conduzido. Inicialmente, é preciso tratar os sintomas depressivos/ansiosos para que, então possamos avaliar se há sintomas ainda persistentes e residuais.

TDAH ao longo da vida

Importante esclarecer uma dúvida muito comum: TDAH não é um transtorno desenvolvido na vida adulta. Embora possamos ter dificuldades com foco, atenção e funções executivas, iniciadas na vida adulta, muito provavelmente não será um quadro de TDAH. 

Como citei acima, TDAH é um transtorno de neuro desenvolvimento, o que quer dizer que: para diagnosticarmos um quadro como este, é preciso termos evidências de sintomas e dificuldades vivenciadas desde a infância! Os sintomas podem ser notados ainda nos primeiros anos de vida, mas, em muitos casos, começam a ficar mais evidentes no início da alfabetização. 

O que não quer dizer que todos com TDAH serão péssimos alunos. De forma alguma! Nem sempre o curso dos sintomas caminham para dificuldades escolares. Embora as dificuldades sejam comum, não é uma regra. Por isso, ratifico, a avaliação clínica e a compreensão profunda da história de vida de cada paciente é muito importante para a construção segura de um bom diagnóstico.

Homens e Mulheres com TDAH

Os dados mostram que há uma recorrente diferença na apresentação dos sintomas entre mulheres e homens. Minha observação clínica vai ao encontro dos dados e corrobora com o fato de que, na maioria dos casos, as mulheres com TDAH tendem a ser predominantemente desatentas. Ao passo que, a maioria dos homens com TDAH tendem a ser predominantemente hiperativos.

Isso não quer dizer que não existam mulheres com sintomas significativos de hiperatividade e homens com sintomas significativos de desatenção. Não é uma regra, apenas uma observação clínica comum. Há muitas mulheres e homens com quadros mistos bastante intensos. 

Em terapia, buscamos mapear um poucos mais estas dificuldades e entender como estes sintomas se desenrolam no dia a dia. De modo a clarear, inclusive o curso do tratamento.

Qual papel da terapia no tratamento do TDAH?

O papel do acompanhamento Psicológico é fundamental no tratamento de pessoas com TDAH. Como este é um transtorno que permeia toda uma vida, eu diria que o primeiro objetivo terapêutico é compreender “como funciona o TDAH daquela pessoa”, porque apesar de ter sintomas comuns, cada indivíduo tem uma história diferente do outro. De modo a mergulhar mais profundamente, no curso dos sintomas, nos manejos já desenvolvidos e nas consequências vivenciadas por todas as dificuldades do quadro.

Um outro objetivo terapêutico tem a ver com a avaliação dos repertórios comportamentais já adquiridos. Como a descoberta do diagnóstico, para muitos, acontece na vida adulta, muita “água já rolou embaixo da ponte!”. Ou seja, estas pessoas precisaram dar um jeito em suas dificuldades, ao longo de muitos anos. Com isso, é preciso entender quais foram os “jeitinhos” desenvolvidos e avaliar o que, de fato, está ou não está funcionando. Com esta clareza, podemos clarear as intervenções que serão desenvolvidas futuramente. 

Digo sempre aos meus clientes com TDAH: “se você deseja lidar melhor com os sintomas do TDAH, você precisa ter abertura para reconhecer cada uma das dificuldades e comprometimento para se dedicar a desenvolver muitas habilidades novas!”. É isso mesmo, não há tratamento para TDAH sem compromisso com a mudança!

Além de muitos outros objetivos terapêuticos, devo dizer que a terapia com uma pessoa com TDAH deve ainda visitar algumas áreas importantes: problemas de relacionamentos interpessoais, dificuldade manejo e regulação das emoções, comunicação, tolerância à frustração e mudanças de estilo de vida.

Importante: nem todas as abordagens da Psicologia são recomendadas para o tratamento de TDAH. As abordagens com mais relevância terapêutica são: terapia comportamental e terapia cognitivo comportamental. Ainda assim, é importante que o profissional tenha a expertise e conheça bem as nuances deste transtorno.

TDAH e estilo de vida

Já está mais do que provado que diversas práticas de estilo de vida corroboram com os sintomas do TDAH. Ou seja, a depender da forma como você vive seu dia a dia, você pode estar piorando os sintomas deste transtorno.

Citarei algumas práticas que são nocivas para todos nós, mas, para quem tem TDAH, pode ser ainda pior:

  1. Sono desregulado: dormir muito tarde, dormir poucas horas, sacrificar muito o sono por conta de rotina agitada, festas ou trabalho é muito comum entre as pessoas com TDAH, principalmente as mais hiperativas. Claro, numa sociedade em que o sono não é uma prioridade, fica ainda mais fácil e tentador negligenciá-lo. 
  2. Alimentação rica em industrializados e ultraprocessados: rapidez, agilidade e falta de tempo… estas são as justificativas mais comuns para rechearmos nossa alimentação de “pacotes”. Socialmente falando, somos induzidos a abrir mais pacotes do que a porta da geladeira. Mas, já é sabido: alimentos industrializados, ultraprocessados, cheios de farinhas, corantes, glúten e açúcares são muito prejudiciais à nossa cognição. Sendo assim, com uma dieta “prática” baseada em “pacotinhos”, não tem foco e atenção que se sustentem.
  3. Consumo de álcool e drogas: começa inofensivo e, aos poucos, vai se tornando um grande problema. É assim para todos nós, mas pode ser ainda pior para pessoas com TDAH, por conta da dificuldade de “controlar os impulsos”. O que parecia apenas uma brincadeira, aos poucos se torna uso e abuso. Consumo de álcool e drogas (de qualquer tipo) são muito prejudiciais à saúde de forma geral: alteram funções cognitivas e pioram, significativamente, a tomada de decisão, o controle de impulsos e a regulação emocional.
  4. Sedentarismo: se temos tudo online, por que usar o corpo não é mesmo? Infelizmente a prática de exercícios físico tem sido substituída por apps no celular. Não caminhamos, não nos exercitamos, passamos horas do dia sentados em uma cadeira de escritórios, e mais algumas horas frente à televisão. Nosso corpo está cada vez mais sedentário e inflamado. Como mantermos uma boa regulação emocional, assim?
  5. Rotina: nosso cérebro gosta e pede por rotina. Com uma rotina bem estruturada, diminuímos os índices de estresse ao longo do nosso dia a dia, o que nos ajuda a regular melhor nosso humor e nossa emoções. No entanto, por conta de algumas características do próprio transtorno, muitas pessoas com TDAH vivem um perfeito caos em seu dia a dia. Muitos acham que “rotina é tediosa”, preferem a emoção da procrastinação e da não programação. Perigo! É assim que muitos acabam se perdendo em prazos, tendo dificuldades de produtividade, problemas no trabalho e nas relações interpessoais. Sem contar que vivem cansados e têm muita dificuldade de descansar. Lembre-se: rotina e disciplina são sinônimo de liberdade!

A verdade é que eu poderia falar sobre muitas outras práticas diárias que tem atrapalhado muito a nossa saúde mental, como sociedade. Infelizmente, as pessoas com TDAH são ainda mais afetadas com tudo isso e sofrem, sem ter consciência, as consequências de um estilo de vida pouco saudável.

Por isso, parte dos objetivos na Psicoterapia, tem a ver com o desenvolvimento de hábitos mais saudáveis. De modo a favorecer positivamente a melhora e redução dos sintomas.

Não é incomum, por exemplo, que eu e minha equipe recomendemos, aos nossos clientes com TDAH, o tratamento paralelo com um profissional da área da Nutrição/ Nutrologia e Educação Física.

TDAH e medicação

A medicação é obrigatória para todas as pessoas que têm TDAH? De forma alguma! Cada caso precisa ser avaliado com muito cuidado e responsabilidade, até mesmo porque existem várias contraindicações para as medicações. Todo o manejo medicamentoso precisa ser acompanhado de perto por um profissional da Psiquiatria, mas, sobretudo, precisa ser de responsabilidade do cliente.

Sempre digo aos meus clientes: “a medicação é maravilhosa, mas, se você não souber fazer uso dela, pouco adiantará!”.  É isso mesmo… a eficácia das medicações para TDAH são incríveis, os dados bem mostram. Mas os dados mostram também que é preciso associar a medicação à Psicoterapia (mudanças comportamentais) e mudança de estilo de vida – como falei anteriormente. 

Um corpo bem nutrido, desinflamado e ativo, processa a medicação de forma mais eficiente. Um corpo bem nutrido, desinflamado e ativo pode, inclusive, precisar menos da medicação. Isso é, o tratamento para TDAH nunca pode ser somente o uso da medicação. Todos as pessoas que já vi depositarem todas as expectativas em uma medicação, se frustraram grandiosamente. 

Não existe caminho curto. Para viver bem com TDAH, conseguir manejar bem os sintomas e ter uma vida produtiva saudável, relações interpessoais satisfatórias, é muito importante entender que o tratamento será amplo, em diversas frentes.

Uma vida de atleta

A metáfora que mais tenho usado com meus clientes, em sessão, sobre o tratamento para o TDAH é: “uma vez que você descobriu que tem TDAH, precisa viver uma vida como atleta!”.

Guardadas as devidas proporções, é claro, viver uma vida como atleta tem a ver com viver uma vida mais saudável. Não estou me referindo aqui, à alta performance do corpo, nem de um esporte. Estou falando sobre escolhas conscientes no dia a dia: responsabilidade com a prática de atividade física, responsabilidade com escolhas alimentares, responsabilidade com uso de álcool, responsabilidade com o sono e o descanso e responsabilidade com as relações interpessoais. 

Quando ao longo do processo, descobrimos recursos e estratégias que funcionam bem; então, elas devem ser usadas. O contrário também é verdadeiro: ao longo do processo, quando descobrimos comportamentos  que “jogam contra” e aumentam sintomas; então, elas precisam ser evitadas.

A cada sessão, vivo com meu clientes o desafio de reforçar: a aceitação das próprias dificuldades, o compromisso com o autocuidado e a esperança de que é possível viver melhor e mais feliz. 

TDAH não é uma sentença, longe disso! Existe tratamento e muitos caminhos para te ajudar. Busque um profissional que, de fato, entenda sobre este transtorno e dedique-se a viver a sua vida de atleta! Há muitas vitórias para conquistar!

Um abraço carinhoso,

Mari

PS.: se você tem ou acho que possa ter TDAH, não deixe de buscar ajuda. Coloco-me à disposição para te ajudar. Para entrar em contato, clique aqui.

 

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