Tenho notado, com alguma frequência, que em todas as rodas de conversa, onde me encontro, em algum momento, o tema “saúde mental” vem à tona. Não, no geral, não sou eu quem inicia o assunto. Psicóloga que sou, evito quase sempre falar sobre Psicologia, no momento de lazer. Mas papo vai e papo vem, a conversa sempre chega em algo como:
“Tá difícil, comecei a tomar medicação para depressão e ansiedade!”
“Não consigo dormir sem tomar medicação… impossível!”
“Tomo uma medicação para dormir e uma outra que me ajuda a ficar mais disposto pela manhã…”
“Engordei mais de vinte quilos, precisei começar medicação para compulsão alimentar.”
“Remédio pra ansiedade está sempre aqui comigo, nunca sei quando vou precisar!”.
Provavelmente, assim como eu, essa realidade também está acontecendo por aí, não é mesmo? Ou talvez você nunca tenha reparado, inclusive, aqui fica o convite: observe ao seu redor, quantas pessoas do seu ciclo social têm lidado com sofrimento mental?
Como interpretar essa realidade: a parte “positiva”
Consigo olhar para esta realidade por alguns ângulos diferentes. Comecemos pela parte “positiva”. Há alguns anos atrás, falar sobre saúde mental era um tabu muito grande. A maioria das pessoas acreditavam que transtornos como depressão e ansiedade eram besteira ou frescura. Muitos também diziam que Psicologia ou Psiquiatria era apenas para “loucos”.
Nas conversas entre amigos, não havia espaço para falar sobre adoecimento mental. Muitos, inclusive, não contavam para ninguém sobre as medicações que tomavam. Falar sobre terapia? Era raro! Falar sobre acompanhamento Psiquiátrico? Motivo de vergonha! Contar que faz tratamento para algum transtorno? Segredo!
Como profissional da saúde mental que sou, devo considerar que a abertura social, para receber temas como esses, tem aumentado. A internet e a disseminação de conteúdos educativos têm ajudado muito, para que o tema seja tratado com mais leveza e menos preconceito. Neste sentido, quando me dou conta que, em toda roda de conversa este tema vira pauta, me alegro. Sim, me alegro, pois entendo que as barreiras do preconceito e da vergonha têm sido quebradas.
Me alegro, porque a informação está saindo das “mãos privilegiadas” e se tornando cada vez mais acessível. Me alegro, porque sei o poder que a identificação e o encorajamento social tem! Me alegro, porque muitas pessoas que evitavam pedir ajuda, podem se sentir inspiradas, ao ouvir os relatos de outras pessoas. Me alegro, porque no frigir dos ovos, finalmente, a saúde mental tem ganhado importância e relevância social.
Como interpretar essa realidade: a parte “preocupante”
No entanto, nem tudo são flores. Ainda que a popularização do tema seja algo muito positivo, não podemos fechar os olhos para a realidade: nosso país está adoecendo. Nos rankings mundiais, o Brasil é “destaque” nos números de adoecimento mental. Estamos entre as nações com pior índice, quando o assunto é “qualidade da saúde mental”. Estamos muito, muito, muito adoecidos.
A análise sobre esta realidade pode ser muito profunda. O Brasil ainda é um país que funciona como colônia, o nosso sistema de trabalho é muito estressante e, em alguma medida, sacrificante. A diferença social é alarmante. A falta de educação e recursos básicos é uma realidade. A estrutura das grandes cidades é assustadora. A violência nos faz viver sempre em alerta, como reféns. Pois é, nós temos muitos motivos para justificar os índices das pesquisas. Assim como eu, você sabe bem disso.
Esta realidade justifica, então, porque em nossas rodas de conversas o tema “transtornos mentais” e “medicações psiquiátricas” tem sido tão frequente. A estatística está embaixo dos nossos olhos, basta tirarmos a venda para vermos. Infelizmente, a nossa sociedade – sobretudo nos grandes centros, como São Paulo – está profundamente adoecida e precisando de ajuda.
Mas o que mais me preocupa, é o fato de que este tema está se naturalizando. Está se tornando tão comum viver com um “diagnóstico”, que estamos acreditando que “tudo bem”, “faz parte”. Burnout, transtorno de ansiedade generalizada, compulsão alimentar, síndrome do pânico, depressão, tdah, estresse pós-traumático… são tantos diagnósticos fazendo parte da nossa rotina, que estamos nos acostumando. Com isso, deixando de questionar.
Por que tudo isso está acontecendo?
Há algo que percebi, também, observando estas rodas de conversas. O tema “saúde mental e fármacos” é exposto sem maiores reflexões e questionamentos. Talvez porque ainda tenha algum resquício de vergonha, vejo com frequência as pessoas falarem sobre isso tudo, usando “bom humor” e “tirando sarro”. A verdade é que não precisa ter vergonha. Mas, engraçado, não é.
Na última vez em que estive num cenário como este, ousei entrar na conversa. Problematizei, mostrando que nosso país está nos recordes de países mais adoecidos e questionei: “por que será?”. Como eu já esperava, todos ficaram me olhando com aquela famosa cara de “?”.
Em um outro post aqui do meu blog, escrevi sobre saúde mental e integral. Neste texto, falei sobre o quanto a nossa saúde mental está intimamente relacionada à saúde do nosso corpo como um todo. Afinal de contas, nosso cérebro faz parte de todo o sistema, não é mesmo? O fato é que, se observarmos, não é somente a saúde mental que está se agravando em nosso país. Os dados sobre doenças crônicas, autoimunes e diversos tipos de câncer, estão aumentando cada vez mais. É triste saber que o cenário da saúde brasileira, como um todo, está caótico. Saúde mental e saúde física andam juntas.
Ali, naquela roda de conversa, falei um pouco sobre isso: “quantas intolerâncias alimentares vocês têm?”; “Rinite? Asma? Sinusite? Enxaqueca? Endometriose?”; “Como é a rotina alimentar de vocês, no geral?”; “Com qual frequência vocês se exercitam?”; “Quanto consomem de açúcares, farinhas e álcool?”… Bem, as respostas, você já deve imaginar. Todos ficaram surpresos com a reflexão e, uma moça que eu havia conhecido ali, naquele momento, concluiu: “parece óbvio, mas não é… eu estava, até hoje, tomando o remédio para depressão e ansiedade, pensando em cuidar do meu cérebro, mas não é só isso… meu corpo está gritando de diversas formas e eu preciso ouvi-lo!”.
Missão cumprida! É esta a ideia que eu quero compartilhar, inclusive com você que me lê agora. Cuidar da saúde mental é algo muito maior do que tomar psicofármacos. Embora eles sejam muito importantes – e salvam vidas, quando bem administrados -, precisamos desenvolver maior criatividade sobre como estamos vivendo a nossa vida. Sim, o Brasil é um país que tem muitos, inúmeros problemas de diversas ordens, mas se esperarmos que alguém faço algo pela nossa saúde, o desfecho pode não ser muito bom.
Se você não quer fazer parte da estatística brasileira de adoecimento, comece a repensar a sua rotina imediatamente. Observer o seu sono, sua jornada de trabalho, o consumo de internet e tempo de exposição a telas. Coloque atenção em sua alimentação, faça escolha naturais e prefira, cada vez menos, os industrializados. Aprenda a escolher alimentos, ler rótulos (nosso país libera muitos “alimentos” que de alimento não tem nada”. Dedique-se a se movimentar com frequência; “ajuste” o seu ritmo circadiano (provavelmente você não é noturno como pensa, apenas tem uma rotina caótica!). Seja radical em seus relacionamentos e não permaneça em relações tóxicas, proteja-se. Faça exames periódicos. Escute o seu corpo. Faça terapia.
Honestamente, há muito o que podemos fazer para tentar, minimamente, reduzir estes índices. É claro, políticas públicas vão muito bem obrigada, e seriam uma ótima pedida. Mas, a verdade, é que enquanto as políticas públicas não acontecem, o nosso autocuidado precisa acontecer. Não temos tempo para delegar.
Atenção, conexão com momento presente e autocuidado são a chave!
Parte de toda esta reflexão nasceu em mim nos últimos anos, quando decidi começar a mudança do meu estilo de vida. Naquele época, eu vivia girando na roda do trabalho excessivo e pouco autocuidado. Com isso, me tornei obesa, vi meu corpo começando a adoecer a níveis físico e emocional. Pois é, mesmo como profissional da Psicologia, eu caí no canto da sereia: pouco descanso, péssima alimentação, sedentarismo, corrida pelo consumo, gastos elevados e trabalho desenfreado. Talvez, esta realidade você conheça também.
Somente quando eu decidi ouvir o meu corpo, que gritava comigo, eu entendi que o “buraco era muito mais embaixo”. Quando comecei a mudar a minha rotina, vi meu corpo respondendo de forma saudável. Recuperei a motivação, aquele cansaço crônico foi embora e a ansiedade voltou ao seu nível “normal”.
Mas não foi um passe de mágica. Na verdade, foi um processo de muitas transformações. Sendo a primeira delas, a minha atenção. Precisei aprender a estar no momento presente, a ouvir meu corpo e minhas necessidades. Precisei respeitar a minha fisiologia, uma vez que o modo como eu estava vivendo, me fazia sacrificar todo o funcionamento do meu corpo. Aprendi a ouvir os sinais que meu corpo me dá e, com isso, fiz as mudanças necessárias.
Pra mim, autocuidado nunca foi “natural”. Não tive bons modelos para aprender a cuidar de quem eu sou. Precisei aprender sozinha. Busquei conhecimento, estudei um pouco sobre fisiologia e comecei a observar meu corpo com mais profundidade. A prática de yoga e pilates também me ajudaram muito. Coroaram a conexão com meu corpo, me ajudando a criar intimidade com cada parte de mim.
Infelizmente, o discurso dos profissionais da saúde mental ainda sugere que nossas emoções são quase uma “coisa à parte de nós”. Como se nosso cérebro não fizesse parte de um corpo que, na maioria dos casos, atualmente, está mal nutrido e mal cuidado. Chegou a hora de construirmos uma visão mais profunda sobre saúde mental. Não tem como falarmos sobre tratamento para qualquer transtorno, sem falar em estilo de vida. Por isso, se você, a partir de hoje, ouvir em rodas de conversas, qualquer papo sobre medicação, questione: “além da medicação, como está seu estilo de vida? E a terapia está em dia?”.
A terapia é uma forte aliada na jornada de autocuidado
Para muitas pessoas, assim como foi pra mim, o autocuidado pode ser um grande desafio. Foi em terapia (sim, terapeutas também fazem terapia!) que aprendi a construir um gama de comportamentos de autocuidado. Seja a nível de relações interpessoais, seja a nível de rotina do dia a dia. Foi um processo muito desafiador aprender a “frear”; a dizer “não”; a descansar e ter lazer.
Atualmente, com todos meus pacientes, o tema “saúde integral” é pauta garantida. Desde a primeira sessão de terapia, os incentivo a compreender que o nosso corpo é a nossa casa, todos os cômodos estão interligados. Se há um cômodo mal cuidado ou com problemas estruturais, com certeza, prejudicará outros espaços. Por isso, precisamos cuidar de todos eles como um todo. A terapia é o espaço em que vamos cuidar das emoções. Da história de vida. Falar sobre valores pessoais, medos, inseguranças, desejos e sonhos. Mas também é um espaço para fomentar saúde.
Chega de vivermos “passivos” neste sistema adoecedor. Ser parte desta estatística não pode ser algo banal!
Se de alguma forma você se identificou com todo este relato, quero te encorajar a buscar ajuda. Talvez medições sejam necessárias em seu caso – ou não -, mas independente delas, cuidar da sua saúde de forma profunda é muito importante. Sim, a terapia é este espaço em que, junto com sua terapeuta, você construirá pilares de autocuidado, olhando com carinho e muita verdade para todas as sua necessidades: emocionais e físicas.
Clique aqui para me escrever. Será um prazer conversar contigo!
Um abraço carinhoso,
Mari