Sobre a vergonha de começar terapia: você não está só!

Há um tempo atrás, conversava com uma pessoa muito próxima a mim. Conversa vai, conversa vem, eis que surge o seguinte comentário: —“Mari, um monte de gente fala que terapia é legal, é bom… mas, desculpe a minha ignorância, eu não consigo me imaginar de frente para outra pessoa falando sobre mim…”

Respirei fundo, me calei por alguns segundos, esperei para saber se viriam mais comentários… questionei se esta pessoa gostaria de continuar falando sobre o tema ou se foi apenas um comentário. Diante da carta branca pra a continuidade da conversa, questionei: — “Você acha que essa dificuldade de se imaginar falando sobre você, frente a outra pessoa, tem a ver com um sentimento de vergonha?”

A resposta foi positiva e, assim, a nossa conversa caminhou para um espaço de troca e informação.

Iniciei este post com este episódio que aconteceu recentemente com um amigo, para ilustrar um tema que não é incomum. Muito pelo contrário! Sentir de vergonha de ir a uma sessão de Terapia é mais comum do que muitas pessoas pensam. Já ouvi isso de outros amigos, familiares e, pasme, até mesmo de outros Psicólogos!

Considero a vergonha um sentimento universal. Todos nós, em alguma medida, e em algum contexto, já fomos acometidos por este sentimento. Aquele desconforto que chega queimando, deixando até mesmo o nosso rosto ruborizado. A vergonha é desconfortável, tem relação com um senso de inadequação e, no geral, vem acompanhada de vários pensamentos, como: “o que vão pensar de mim?”, “com certeza estão me achando fora da casinha…”, “será que estou bem vestido?”, “será que estou falando besteira?”, “melhor ficar em silêncio, para não falar algo errado….”, “Melhor nem expressar minha opinião, menos ainda a minha dúvida, vão descobrir minha incapacidade”.

Reconhece algum destes pensamentos? 

Eu reconheço vários deles, inclusive, já fui tomada por este combo, algumas vezes. Imagino que você, aí do outro lado, provavelmente reconhece também… A verdade é que a vergonha está no pacote dos sentimentos que fazem parte das nossas interações sociais. Basta começarmos a reconhecer o mundo, ainda quando crianças, para começarmos a sentir as primeiras experiências com este desconforto.

A criança que corre para trás da saia da mãe, para se esconder de pessoas desconhecidas, está experimentando as primeiras doses do que eu chamaria de “senso de proteção”. Afinal de contas, pessoas estranhas, em alguma medida, sinalizam que o ambiente confiável e confortável foi alterado. Conforme esta criança desenvolve maior capacidade cognitiva, a linguagem vai se ampliando.  Aos poucos, essa criança/futuro adolescente/adulto passa a reconhecer os símbolos e as nuances socais. Descobre o preconceito, o senso de certo e errado, a invalidação e, sobretudo, o julgamento. 

Aquele sentimento inicial de “proteção do desconhecido”, agora, ganha espaço para um chuva de pensamentos amedrontadores, sinalizando que, então, é melhor “selecionar bem o que se deve mostrar ao outro”. Acredito, profundamente, que é assim que começamos a construir o sentimento de vergonha. Na tentativa de nos protegermos de qualquer perigo, em relação a quem somos, mantemos sempre o radar ligado, monitorando e checando: “será que estou sendo adequado?”.

A esta altura, você deve estar se perguntando por que estou falando sobre tudo isso… 

Te explico! É por conta deste “radar sempre ligado” que muitas pessoas evitam buscar a terapia. Sentar frente a uma outra pessoa até então desconhecida (perigo 1), para falar de sentimentos difíceis (perigo 2) e compartilhar em voz alta segredos nunca antes falados (perigo 3), não é das tarefas mais fáceis de se fazer. Já contei aqui, em outro post, como foi a minha experiência em uma primeira sessão de terapia. Eu suava, como nunca tinha suado antes! A sensação era de que eu seria “descoberta”. Mas o que seria descoberto? Não sei… aquele combo de pensamentos são perigosos por isso, não necessariamente são reais, fazem a gente ter medo, até do que não existe.

A verdade é que todos estes “perigos” em alguma medida fazem sentido. Não é fácil se “despir” frente outra pessoa. É ainda mais difícil, quando na sua história de vida, você não aprendeu a falar sobre suas emoções, compartilhar seus sentimentos e seus pensamentos. O setting terapêutico, para muitas pessoas, soa como um espaço de muito desconforto. Como terapeuta, já ouvi dezenas de vezes, no início de uma primeira sessão: “Nossa, foi muito difícil chegar até aqui, eu quase cancelei! Tenho vergonha de falar sobre isso…”. Também já aconteceu, muitas vezes, de um potencial cliente agendar e cancelar, quando está chegando o momento da sessão… por que será?

Nós terapeutas, estamos acostumados com esse movimento. Não que seja legal “levar um bolo”, mas sabemos que, para muitos, a vergonha funciona como um grande freio de mão. Por isso, se você que está me lendo agora, reconhece ste sentimento em você ao pensar em iniciar a terapia, saiba que não há nada de errado contigo. Se o botão da vergonha foi acionado, é porque, provavelmente, você está se sentindo frágil diante do outro e com medo do julgamento.

A boa notícia é que, os mesmos clientes que sentaram a minha frente e revelaram estar com vergonha, ao final da sessão disseram algo parecido com: “nossa… estou tão mais leve! Eu não sei por que adiei tanto…˜.  É isso mesmo, a sessão de terapia tem essa função de abraçar quem esta ali, expondo suas verdades. Fazendo com que a vergonha abra espaço para um sentimento profundo de acolhimento, adequação e pertencimento.

Inclusive, considero a terapia como um ótimo primeiro passo, para começar a diminuir o “controle da vergonha”. No processo terapêutico, o acolhimento, a validação e empatia são garantidos. Talvez seja menos difícil falar sobre o que “está doendo”, dentro deste espaço reservado, do que já chegar chegando, abrindo tudo para um amigo ou um familiar. Se para você é muito difícil se expor, acho que o ambiente “mais controlado” é uma opção mais segura. O único caminho que eu não aconselho é continuar “fechado”, permitindo que a vergonha impere. Quanto mais isolamento, mais vergonha. Quanto mais vergonha, mais isolamento. Definitivamente, este não é um ciclo saudável a ser mantido.

Manter tudo para nós mesmo é muito perigoso! Nossos medos, inseguranças, ansiedades e autocobrança, no geral, são maiores quando estão em nossa mente. Permitir que o “freio de mão” impeça a nossa troca interpessoal, a comunicação vulnerável e o compartilhar, é um perigo para nossa saúde mental. Quanto mais “guardamos” tudo para nós mesmos, mais abrimos espaço para a vergonha governar as nossas decisões. Quanto mais a gente deixa de falar e dividir com o outro, o que a gente pensa e sente, mais damos espaços para o senso de inadequação.

“O que eu sinto é besteira… só eu sinto isso… deve ser bobagem…”

É por pensamentos assim, que hoje vivemos a Era da solidão. Felizmente, a maior parte destes pensamentos não são reais, porque, na maioria das vezes, quando quebramos a barreira e compartilhamos o que sentimos com outras pessoas, o mais comum é ouvirmos: “Nossa, eu também já senti isso!”. Por aqui, isso já aconteceu inúmeras vezes, imagino que contigo também!

Quebrando a barreira

Eu escrevi vários textos aqui no blog, com o objetivo de te ajudar a avançar a barreira da vergonha e, de fato, começar o seu processo de terapia. Falei sobre o quanto a terapia é uma relação humana, escrevi sobre o que fazer numa primeira sessão, falei sobre o que esperar do processo terapêutico e, agora, sobre vergonha (está tudo aqui no blog!). Tudo isso para te dizer que: seu medo é válido, seu receio também! A sua vergonha é honesta, e o frio na barriga é real. Ainda assim, você pode enfrentar todos eles e dar um passo em direção a uma jornada incrível.

Porque a terapia é sobre isso: uma jornada de desenvolvimento pessoal! Uma jornada em que você percorrerá muitos caminhos e, aprenderá a se visitar com muita gentileza e autocompaixão.

Voltemos ao início deste post, em que eu falava com um amigo sobre o receio dele de ir a uma primeira sessão de terapia, se lembra? Nossa conversa, aquele dia, se alongou… passamos por todos estes tópicos que compartilhei aqui e teorizamos um pouco mais. Quando nosso papo se encaminhava para o final, ele fechou com chave de ouro: “Mari, eu continuo com vergonha, só de pensar em fazer uma primeira sessão, eu suo frio… mas, depois de todo esse papo, caiu a minha ficha: é exatamente por eu sentir tanto receio de me mostrar que eu deveria fazer isso! Chega de me aprisionar e deixar a vergonha vencer. Acho que chegou o momento!”.

Nem preciso te dizer quão feliz eu fiquei, não é mesmo? No fim das contas, buscar terapia sempre será um movimento de desconforto e enfrentamento. Consciência dói. Crescer dói. Mudar dói. Mas, a liberdade de se sentir confortável, na própria pele, é impagável!

Desejo que você, aí do outro lado, encoraje-se também a enfrentar a sua vergonha. Chegou o seu momento, vem pro lado de cá!

Abraço carinhoso,

Mari

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