Tratamento em Saúde Mental: o que você precisa saber

É preciso uma boa dose de sinceridade, quando o assunto é Saúde Mental. Infelizmente, ainda existem muitos mitos, preconceitos e falta de conhecimento sobre o tema. Não é incomum – ainda hoje – ouvirmos pessoas dizer que “terapia é para louco!”, “remédio para transtorno mental vicia”, “psiquiatra é médico de louco”, e mais um tanto de barbaridades. 

Em alguma medida, como profissional da saúde, assumo parte da responsabilidade sobre esta realidade. Nós, Psicólogos e Médicos que trabalhamos com saúde mental, precisamos sair dos nossos consultórios e, cada vez mais, tentar alcançar o público geral. De modo a levar informação de qualidade e acessível. 

Pensando nisso, todo o conteúdo que produzo em meu perfil do Instagram, os textos que escrevo para o meu site – inclusive este – têm como maior objetivo romper as barreiras do conhecimento, e ajudar pessoas a encontrarem caminhos seguros de autocuidado.

A verdade é que, diante de tantos preconceitos sobre saúde mental, muitas pessoas deixam de obter um diagnóstico adequado e passam, então, a viver em sofrimento, privadas dos benefícios de um bom tratamento.

Com o esforço da Medicina, hoje, temos consciência e a capacidade de diagnosticarmos muitos quadros diversos de transtorno mental. Em termos de pesquisa e tratamento, a área da Psiquiatria tem avançado muito. Pessoas que, antigamente, seriam consideradas inválidas e excluídas da sociedade, hoje, podem viver de forma mais digna e inclusiva. No entanto, percebo que ainda temos muita resistência – como sociedade – a identificar e aceitar, quando um transtorno mental nos acomete.

Como descobrir um transtorno mental?

A forma mais simples para dar um primeiro passo em direção a um diagnóstico, tem a ver com OBSERVAÇÃO. Sim, é isso mesmo. Tudo começa de uma boa observação.

Para levantarmos a hipótese de que estamos passando por um quadro de transtorno mental, precisamos observar o nosso funcionamento geral. De modo a buscar alterações significativas em nosso padrão (comparando o passado com o presente) e, também, comparando com outras pessoas com características semelhantes às nossas (idade, gênero, contexto social etc). Embora, o conceito de “normalidade” seja um tanto ultrapassado, precisamos estabelecer algum senso comparativo para identificarmos um transtorno.

Por exemplo, posso levantar a hipótese de que estou em depressão, quando ao me comparar comigo mesma (passado e presente), observo que me sinto mais triste, menos ativa, mais desinteressada e descontente com tudo, sem motivação para sair ou ver pessoas. Me comparando com pessoas semelhantes a mim, posso observar, também, que meu modo de me comportar está destoando. Enquanto outras pessoas estão envolvidas e empolgadas com seus projetos e rotina, me percebo desanimada, triste e presa em casa, há semanas.

Este é apenas um exemplo, de como a observação e a comparação  podem ajudar na construção de um possível diagnóstico. 

Mas o que observar? De modo geral precisamos dirigir a observação para alguns pontos importantes: humor, motivação, apetite, sono, pensamento, comunicação/linguagem, emoções/sentimentos, autocuidado, atenção, foco, impulsividade, planejamento, execução de tarefas, resolução de problemas e relações interpessoais.

Se, em alguma medida, no exercício de observação se nota alterações significativas em diversos destes aspectos, por um período de tempo significativo, é hora de dar um próximo passo: buscar ajuda profissional.

Todo tratamento começa com um diagnóstico

É com ajuda profissional que vamos nos certificar se aquelas observações iniciais estão sugerindo um possível transtorno ou não. Recorrer a internet, sites de buscas, pode ser um pouco perigoso, caso as informações não sejam usadas de forma responsável. Falei sobre o perigo do autodiagnóstico num outro post, aqui no blog.

Considero a busca pela avaliação profissional o caminho mais seguro, para descartarmos ou fortalecermos as nossas hipóteses. Sugiro, inclusive, fazer anotações sobre todas as alterações observadas, incluindo frequência, intensidade, e alguns dados sobre o contexto (há quanto tempo? Quando começou? O que se passava neste momento em sua vida?).

No mundo da Medicina, o Médico Psiquiatra é a figura com mais autoridade em termos de especialização, para diagnosticar um possível transtorno mental. Mas, caso o acesso a esta especialidade seja muito difícil para você, não deixe de buscar um outro médico de confiança. Um bom clínico geral ou neurologista poderá te guiar inicialmente.

Em alguns casos, a depender da gravidade e sobreposição de sintomas, pode-se ser um pouco mais desafiador estabelecer um diagnóstico “certeiro”. Não é incomum encontrarmos pessoas com diversas alterações comportamentais, que podem sugerir transtornos diversos. Ainda assim, mesmo sem “um nome” exato, o tratamento poderá ser conduzido normalmente. Isso porque os tratamentos são desenhados a partir dos sintomas apresentados.

Nós, Psicólogos, também podemos fazer diagnósticos, mas temos limites em relação à atuação. Somente os médicos podem prescrever medicações quando necessário. Por isso, gosto sempre de pensar que a parceria terapeuta-psiquiatra é fundamental.

Desmistificando o tratamento

Muitas pessoas pensam que todo transtorno mental precisa, obrigatoriamente, de medicação. No entanto, este é um erro. A depender do tipo de transtorno e da intensidade dos sintomas, não necessariamente se recomenda o uso da medicação. Por exemplo, em casos leves de depressão e transtorno de ansiedade, o tratamento mais recomendado é a Psicoterapia.

Isso quer dizer que todo transtorno mental pode não precisar de medicação? Não necessariamente. Para esta avaliação, deve-se levar em consideração, sobretudo, o tipo de transtorno. Dificilmente um paciente com Esquizofrenia, após um diagnóstico, não precisaria fazer uso de medicação. Da mesma forma, um paciente com transtorno bipolar ou depressão moderada/grave. Cada caso é um caso e deve sempre ser analisado com muito cuidado. Medicações não são vilãs!

No entanto, para além da medicação, precisamos ampliar o nosso campo de visão. Quando falamos sobre saúde mental, é preciso aceitar que o tratamento será complexo e, jamais, poderá se resumir a um dose de comprimidos ou gotinhas. O tratamento para um quadro de transtorno mental, deve incluir múltiplos esforços. Dentre eles: psicoterapia (autoconhecimento e mudança comportamental), atividade física, nutrição adequada, parâmetros físicos adequados, sono adequado, manejo e gerenciamento de estresse e relações sociais saudáveis.

Veja bem, aceitar que algumas pílulas podem “curar” um transtorno mental é uma expectativa perigosa, por muitos motivos. Por mais que algumas pessoas tenham resistência de usar a medicação psiquiátrica, percebo também um movimento comum: depois que aceitam a medicação, acham que ela será “a salvadora da pátria”. Muito embora as medicações sejam muito eficazes e, inclusive, salvem vidas, não podemos acreditar que o tratamento para um transtorno deva se resumir ao consumo de medicação. 

Consigo pensar, inicialmente, em dois motivos do porquê este pensamento ilusório é perigoso. Primeiro, medicação não ensina comportamento para ninguém. Tomar um comprimido para sentir-se menos deprimido/ansioso, não lhe ensinará habilidades de regulação emocional para lidar com os desafios do dia a dia. Tomar um comprimido para ter mais foco e atenção concentrada, não lhe ensinará como montar uma rotina executável, tampouco te ensinará a se organizar. 

O que eu quero dizer é que a medicação é um auxílio. Seu objetivo é preparar melhor o teu organismo para reagir e agir no mundo. No entanto, é com ajuda da Psicoterapia que novos padrões de comportamentos serão germinados. É com a terapia (muitas vezes associada com medicação) que mudanças de estilo de vida serão conquistadas. 

Segundo, sempre quando ingerimos uma medicação (mesmo que seja uma aspirina), precisamos estar conscientes de que há um teste a ser feito. A forma como o organismo de cada um de nós reage ao mesmo fármaco pode ser diferente. Por isso, é sempre importante entender as possibilidades e efeitos desse encontro: organismo e fármaco.

Ainda sobre isso, há também um ponto muito importante: a medicina tem mostrado, cada vez mais, o quanto o funcionamento bioquímico do nosso corpo importa. Não adianta muito, por exemplo, tomarmos um antidepressivo, esperando “o milagre”, quando nosso corpo está mal nutrido. Infelizmente, com o estilo moderno de alimentação, todos nós corremos o risco de conviver com vários déficits nutricionais e nem sabemos. Ou seja, um corpo que não está em “boas condições”, provavelmente, não obterá os melhores resultados do tratamento medicamentoso.

Veja bem, estou exemplificando de forma mais genérica, para te ajudar a entender o seguinte: um tratamento é mais complexo do que normalmente se imagina!

Um esforço coordenado

Espero que, a esta altura, você tenha compreendido que um tratamento deve ser organizado estrategicamente em diversas frentes. É claro que existe um processo. Dificilmente, um paciente chega ao meu consultório com um quadro de TDAH, por exemplo, e em dois meses ele está com a rotina organizada, o sono impecável, os exercícios físicos em dia e alimentação redondinha. Ah! Se fosse assim…

A realidade é que, durante o processo de terapia, precisamos matar um leão por vez. Levando em consideração as prioridades e os movimentos possíveis, dada a realidade do momento. Mas, temos sempre o caminho mapeado em nossas sessões. Sabemos para onde estamos rumando.

É muito legal quando, com algum tempo de tratamento (o ritmo depende de cada cliente), conseguimos observar quantas mudanças foram conquistadas: habilidades de regulação emocional, rotina mais organizada, início das atividades físicas, alimentação sendo modificada, relações interpessoais mais saudáveis… Dá um orgulho danado na terapeuta e, obviamente, no cliente. Conquistas que são frutos de um processo. De pequenos e consistentes passos.

Com isso, costumo dizer que tratamento é sobre um esforço coordenado em diversas frentes. São vários “vetores” aplicando forças diferentes sobre o mesmo alvo (alô aula de física no ensino médio!). É assim que se aprende a conviver com um transtorno. É assim que se aprende a manejar os sintomas. É assim que se reduz os efeitos dos sintomas. É assim que, em muitos casos, se pode alcançar a remissão dos sintomas.

Mas, é importante mantermos os pés no chão. Não se deixe enganar. Alimente suas expectativas com realidade. Tratamento é coisa séria e precisa ser encarado com responsabilidade. Atualmente, atendo muitos pacientes com TDAH, sempre converso com eles sobre o quanto é importante que assumam a responsabilidade pelo seu próprio tratamento. O TDAH não vai embora. Mas, levando a sério o que precisa ser feito, os sintomas podem ser atenuados. Brinco com eles que “devem levar uma vida de atleta”. É claro, a ideia não é sobre ter performance, mas é sobre ter compromisso.

Por onde começar?

Como comentei inicialmente, não importa muito por onde começar, o importante é buscar ajuda e informações de qualidade. No entanto, uma coisa é certa: a terapia é fundamental. Se você ainda tem receio de ir a um Psiquiatra, comece a terapia. Junto com a terapeuta, provavelmente, você sentirá mais segurança sobre como e  por que fazer este tipo de avaliação. 

Mas, é importante manter abertura para dar os passos necessários. Ratifico, um tratamento nunca pode ser ancorado apenas em um pilar. Penso que a terapia (com um profissional qualificado) pode ser um primeiro passo a te ajudar, inclusive, a dar os próximos passos. Brinco com meus paciente que, juntos, formamos uma parceria de sucesso. Trabalhamos de forma ativa, com um objetivo comum: sua saúde e bem-estar. Juntos, avaliamos as necessidades e buscamos formas de ampliar o tratamento.

Como terapeuta, não tenho a pretensão de ser “a salvadora da pátria”. Muito pelo contrário! A cada dia, tenho entendido que meu trabalho vai além de ajudar meu paciente a desenvolver autoconhecimento e colocar em prática mudanças comportamentais. Pra mim, tem ficado muito clara a minha posição privilegiada como terapeuta: eu encontro meus pacientes semanalmente. Com isso, tenho entendido que uma das minhas funções também é “ser agente e promotora de saúde”, de modo a ajudá-los a se enxergar em diversos níveis. Tenho o privilégio de incentivá-los, semanalmente, a buscarem  mais consciência sobre a saúde de modo integral. Pra isso, obviamente, precisaremos de outros profissionais nos ajudando.

Dias desses uma paciente me falou algo que me deixou muito feliz e, de certa forma, ilustra muito bem o que estou dizendo. Após uma consulta com uma Nutricionista que trabalha com foco em Nutrição Psiquiátrica, ela me disse: “ninguém nunca olhou para os meus exames desta forma! Comecei a entender um pouco mais algumas coisas que eu sinto há muito tempo e eu não sabia que estava ali e ninguém nunca me falou…”. 

Esta também é uma forma de autoconhecimento e autocuidado. Esta paciente faz um tratamento medicamentoso prolongado para depressão e, depois de muitas conversas, entendeu a importância de associar os cuidados de um profissional da Nutrição. Tenho certeza que, em breve, ela colherá ainda mais frutos em sua jornada de desenvolvimento. Do lado de cá, fico feliz por saber que tenho sido esse “agente pró-saúde”, em diversos âmbitos, não apenas em suas emoções.

O que eu vou dizer, pode parecer óbvio, mas infelizmente é verdade. O nosso cérebro faz parte do nosso corpo e se alimenta de tudo o que ingerimos. Ele sobrevive a partir da forma como o nutrimos e o cuidamos. Por isso, saúde mental tem a ver , também, com saúde do nosso corpo físico. E o contrário também! Por isso, quanto antes entendermos que o tratamento em saúde mental precisa ser amplo e integral, mais bons resultados teremos!

Cuide do seu corpo, para chegar a sua mente.

Cuide da sua mente, para chegar ao seu corpo.

Ps.: após esta leitura, você acha que seria importante dar um primeiro passo em busca de ajuda? Conte comigo! Basta clicar aqui e me enviar uma mensagem.

Abraço carinhoso,

Mari

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