Uma conversa necessária sobre saúde mental

Quando me formei em Psicologia, há uma década atrás, não se falava sobre saúde mental como falamos hoje. Considero que tive uma boa formação acadêmica, fiz uma boa graduação, tenho três especializações. Ainda assim, em quase quinze anos de estudos, eu não ouvi falar com profundidade sobre saúde mental.

Foi em meados de 2021, que meus conhecimentos sobre saúde mental se expandiram. Na época, eu estava passando por um momento bastante desafiador (inclusive, em meio a pandemia!), e eu havia engordado muito. Precisava dar um jeito de cuidar de mim e o caminho mais confiável que conheço, tem a ver com conhecimento e informação de qualidade. 

Meu objetivo não era emagrecer a qualquer custo. Meu desejo era de passar por este processo com qualidade e de forma cautelosa, responsável. Assim, iniciei minhas buscas para entender melhor o processo de emagrecimento. O que eu não esperava era a mudança que minha vida pessoal e profissional passaria, desde então.

Corpo humano e os processos inflamatórios

Já em minhas primeiras buscas, fui surpreendida por um termo novo, pra mim: “inflamação crônica”. Já havia ouvido falar, muitas vezes, sobre inflamações (todos nós já vivemos várias delas), mas a verdade é que eu não tinha ideia do que se tratava uma inflamação crônica. Me senti desafiada e quis entender melhor.

Todos nós passamos por processos estressores e inflamatórios diariamente. Tudo e qualquer coisa/ação que tira o nosso corpo de um estado de equilíbrio, nos faz inflamar. Uma noite de sono mal dormida, um alimento gorduroso, a prática de exercício físico, inclusive uma discussão corriqueira com alguém. Tudo. Absolutamente tudo o que impacto em nosso corpo, corrobora com um processo estressor e potencialmente inflamatório.

Mas este não é o problema, afinal de contas, viver é estressante, não é mesmo? O problema é quando a balança está desproporcional. Ou seja, quando não conseguimos compensar a entrada e a saída do estresse. Pare compreender melhor, imagine o seguinte cenário:

Uma mulher na casa de seus trinta anos, trabalha diariamente cerca de 10 a 12horas por dia, passa aproximadamente duas horas no trânsito diariamente, está sempre correndo no trabalho, se dividindo entre as demandas de email, celular, reuniões e execução de projetos. Almoça “rapidinho” todo dia, porque as demandas não param de chegar. No fim do dia, ao retornar pra casa, sente-se exausta, janta qualquer coisa, muitas vezes um lanche rápido e, rotineiramente come um doce “porque merece”. Se alimenta, assistindo um seriado na TV e, quando se dá conta, passa da meia-noite. Tem uma noite de nosso ruim, pouco reparadora. Acorda exausta, no outro dia, precisando urgentemente de um “balde de café”. Aos fins de semana, sente-se tão cansada que mal consegue sair de casa. Quando sai, ingere bastante bebida alcóolica e dorme tarde. Não pratica nenhum exercício físico, porque “está sempre muito cansada”. Vive com o celular na mão, checando email e acompanhando a vida de todos, nas redes sociais. Se sente mal por não estar viajando como todo mundo e porque não tem um corpo , nem um relacionamento amoroso “instagramáveis”. 

Te parece familiar esta história? Pois é…

Muitos de nós vivemos esta realidade ou algo bem parecido. Para alguns de nós, inclusive, podemos adicionar ainda mais “estressores”: problemas familiares, relacionamentos amorosos caóticos e chefes abusivos. São tantos os estressores que enfrentamos em nossa rotina que, sem percebermos, legalizamos cada um deles. No automático, passamos a achar que é “normal”…

Mas a conta não fecha… Somamos tantos desconfortos ao longo dos dias, que não conseguimos dar vazão a todo o estresse causado. Aos poucos, vamos colapsando… Irritabilidade, crises de ansiedade, depressão, obesidade, dores diversas, enxaqueca, compulsão alimentar, insegurança, burnout, problemas de pele, gastrite, etc. Nosso corpo grita e clama por socorro. Mas, quase nunca ouvimos. Continuamos a achar que “faz parte”, que é “normal”. Mas a verdade é que, muito provavelmente, nosso corpo chegou a um estado de inflamação crônica.

O que tudo isso tem a ver com saúde mental?

Já não é mais novidade, a ciência nos prova diariamente, que o estilo de vida que levamos influencia diretamente na qualidade da nossa saúde mental. O cenário que compartilhei acima nos mostra um estilo de vida permeado por práticas que agridem, diariamente, a saúde integral de qualquer um de nós. Confesso, inclusive, que eu já caí nesta cilada.

Foi quando comecei a buscar caminhos para entender como poderia emagrecer, que eu entendi que não era somente os hábitos alimentares que eu precisava mudar. Àquela altura, eu precisava me desinflamar de diferentes formas: sono, horário e jornada de trabalho, descanso, lazer, relações interpessoais, atividade física e dieta apropriada. Pois é, eu achei que encontraria um caminho para cuidar da minha alimentação, mas descobri que o que eu precisava mesmo era desinflamar!

Meu corpo estava me sinalizando, de diversas formas, o quanto estava inflamado. Eu vivia irritada, cansada e nada me fazia “repor as energias”. Minha bateria social acabava rápido, me imaginar em eventos sociais me incomodava. A ansiedade também bateu na minha porta e, junto com ela, me percebi um tanto deprimida. 

Foi estudando sobre inflamação-desinflamação que eu entendi o óbvio: se meu corpo estava inflamado (eu estava 30kg a mais do meu peso ideal), é claro que meu cérebro também estava inflamado! Um corpo que está em sofrimento, pressupõe um intestino inflamado. Um intestino inflamado pressupõe um cérebro inflamado. Um cérebro inflamado é sinônimo de transtornos mentais ativados.

O eixo intestino-cérebro

Todas as peças se encaixaram, quando entendi que existe uma ligação direta entre o nosso intestino e o nosso cérebro. Eles são conectados anatomicamente pelo nervo-vago. Muitos estudiosos, inclusive, sugerem que nosso intestino deveria ser considerado o nosso segundo cérebro, porque ele atua diretamente no controle de todos os sistemas de nosso corpo. 

Devo te confessar, eu sabia que o intestino era importante, mas eu não tinha ideia do quão importante ele é para nossa saúde como um todo. Em todos os cursos que eu havia feito, até então, eu nunca tinha ouvido falar profundamente sobre isso… Felizmente, hoje, diante destas informações eu pude mudar a minha vida e a minha prática profissional.

Em posse de todas estas informações, comecei a mudar meu estilo de vida e, cuidadosamente, gerenciar cada fonte de estresse. Melhorei meu sono e organizei minha agenda de trabalho, reduzindo horas excessivas em minha jornada diária. As poucos, introduzi atividade física, começando pelo Pilates, Yoga e, depois, musculação. Processualmente, retirei alimentos pró-inflamatórios da minha alimentação e incluí mais alimentos de verdade, aumentando a variedade e qualidade nutricional do que eu comia. Me afastei de relações que me faziam mal e, em terapia, cuidei profundamente do meu padrão de querer ajudar a todos. Aumentei meus momentos de descanso e lazer com meu marido e amigos. Modifiquei minha rotina de uso das redes sociais e, sempre que necessário, passa um período longe delas. 

A cada semana, os resultados foram aparecendo. A balança me mostrava que a gordura estava indo embora; minha disposição me dizia que eu estava mais leve; meu sorriso estava de volta e, as pessoas ao meu redor diziam que eu estava diferente. Sim, eu estava desinflamando meu corpo com cada movimento de autocuidado que eu fazia. E, sabe a mudança que mais me alegrou? A estabilidade do meu humor, a redução significativa da ansiedade e dos sintomas depressivos. Meu corpo como um todo sorria pra mim, e eu sorria pra ele!

Sou a prova viva de que o eixo intestino-cérebro é uma das chaves da nossa saúde mental. E, além da minha experiência pessoal, há um vasto corpo científico provando o quanto é importante cuidarmos do nosso corpo como um todo, quando falamos sobre o tratamento de um transtorno mental. 

Obviamente, em muitos casos, a medicação psiquiátrica será necessária, ouso dizer, inclusive, que em muitos casos pode ser imprescindível. Mas, ela nunca deve ser a única opção de tratamento. Um corpo inflamado (um cérebro inflamado) não funcionará de forma saudável. Um intestino inflamado não metabolizará de forma adequada as medicações. É por isso que muitas pessoas usam medicações por anos e, ainda assim, não têm um resultado satisfatório.

Cada transtorno mental necessita requer um cuidado específico, obviamente. Mas todo tratamento (inclusive de doenças físicas como hipertensão, diabetes etc) se potencializa com um estilo de vida saudável. Com isso, devo te alertar: cuidar da sua saúde mental é sobre fazer psicoterapia, tomar medicações quando necessário e desenvolver hábitos saudáveis.

A Psiquiatria Nutricional

Instigada pelos meus estudos e motivada pelas mudanças que vi acontecerem em minha vida (e na do meu marido que mergulhou comigo!), entendi que a minha prática clínica estava em transformação.

Quanto mais informações eu tinha, mais dúvidas me cercavam: será que existem outras explicações para os meus pacientes com exagero alimentar? Será que existem outros caminhos para os meus pacientes com TDAH, já medicados, mas que ainda sofrem com vários sintomas? Será que existem mais explicações para a recorrência da ansiedade, quando meus pacientes “desmamam” da medicação? Será que existem outras perspectivas sobre pacientes que relatam cansaço crônico e falta de motivação?

Angustiada com todos estes questionamentos, continuei buscando profissionais que estavam estudando e pesquisando as intersecções entre a fisiologia do nosso corpo e a saúde mental. Foi assim que conheci a área da Psiquiatria Nutricional. Uma área brilhante de pesquisa e atuação clínica, que tem transformado a ciência da Medicina e salvado a vida de muitos pacientes “refratários” (que não respondem bem aos tratamentos tradicionais) e com quadros crônicos.

Em 2022, participei de uma Imersão em Psiquiatria Nutricional organizada pela equipe do GUTBRAIN Congress, e foi maravilhoso! A turma era composta por profissionais da saúde ávidos por conhecimento, diversos Psiquiatras e Nutricionistas motivados a entender melhor como tratar transtornos para além das medicações. Dentre eles, estava eu, Psicóloga – talvez a única da turma -, cheia de curiosidade para entender mais sobre a área.

Muitas das minhas percepções pessoais foram confirmadas durante o evento. Muitos dados de pesquisa, apresentados pelos professores, corroboraram as minhas hipóteses sobre a relação inflamação e padrões de comportamento. A partir dali, eu tive certeza: a forma como “psicoeduco” os meus pacientes precisava ser modificada. Se antes eu já recomendava a mudança de estilo de vida, atualmente, consigo explicar com mais detalhes, a cada um deles, como essas mudanças podem ser conquistadas aos poucos.

Tenho inserido, em minha clínica, estratégias de desenvolvimento de hábitos saudáveis e, cada vez mais, tenho ajudado meus pacientes a exercitarem o autocuidado com mais profundidade. Se antes era comum eu fazer encaminhamentos, dos meus pacientes, para Psiquiatras parceiros, atualmente, incluí Nutrólogos e Nutricionistas com foco em Psiquiatria Nutricional em minhas indicações. Com isso, tenho visto muitas mudanças significativas no processo dos meus pacientes, muitos deles que “estavam travados” em algumas queixas recorrentes, passaram a ter mais esperança e perspectiva de melhora.

Com tudo isso, devo te lembrar algo muito importante: problemas complexos exigem soluções complexas. Saúde mental não é um tema simples e fácil de ser resolvido. Nunca foi e nunca será. Tratar um transtorno mental, de verdade, nunca foi uma tarefa simples. Mas, infelizmente, por conta do imediatismo que enfrentamos em nossa cultura atual, decidimos acreditar que algumas pílulas podem solucionar nossas dificuldades. Agora, você já sabe… o buraco é muito mais embaixo. Não existe um caminho simples.

Não delegue a sua saúde

Infelizmente, culturalmente aprendi que os médicos detém o poder e o conhecimento. Sempre confiei em tudo o que diziam. Vejo o mesmo com meus pacientes, muitos se sentem mal, mas os médicos dizem: “seus exames estão normais!” – e eles não questionam. Em pleno 2023, com tanta informação, a maioria dos profissionais não querem investigar e cuidar da saúde do paciente. Apenas cuidam da doença, medicam e pronto. De certa forma, nós também esperamos que uma medicação seja a chave da nossa melhora. Mas, a verdade é que não é bem assim.

É preciso que tomemos as rédeas da nossa saúde, para encontrarmos bem-estar e tranquilidade. Precisamos conhecer o nosso corpo e criar intimidade com ele, aprendendo a ouvi-lo. Ele nos manda sinais, o tempo todo. Através das nossas emoções, das dores que sentimos ou da gordura que acumulamos. Se estivermos atentos, saberemos do que ele precisa e anteciparemos quando algo não vai bem. 

No entanto, para construirmos tal intimidade é preciso abertura e curiosidade. Também devemos adotar uma postura um pouco mais rebelde, no sentido de que precisamos questionar mais os médicos que nos acompanham e, respeitosamente, instiga-los a buscar mais opções de investigação e tratamento.

Em todo o meu processo mudança, aprendi que não dá para esperar do outro aquilo que eu não faço. Se não cuidar de mim, do meu corpo, da minha mente, porque uma outra pessoa – mesmo que seja profissional – deveria cuidar?

Me estendi no post, mas a intenção é das melhores: abrir seus olhos, assim como abri os meus. Não existe um caminho simples. A trilha é complexa e cansativa. Mas a recompensa? Ah! É maravilhosa!

Cuide do seu corpo, para chegar à sua mente.

Cuide da sua mente, para chegar ao seu corpo.

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Abraços carinhosos, 

Mari

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